LIXO
Karine Basilio
ARTE
Quando falar em reciclagem ainda era novidade, estes artistas já utilizavam materiais desprezados, como sobras de alumínio, papelão e plástico de pára-choques de automóveis. Hoje, os artesãos do lixo são reconhecidos por uma clientela que valoriza objetos produzidos sem agressões à natureza
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Por Kátia Melo
Revista Claudia - 08/2007
As peças belíssimas que aparecem nesta reportagem, exibidas por seus criadores, foram fabricadas com materiais que estavam a caminho do lixo. Muito antes da maré ambientalista que hoje - felizmente - varre o planeta, esses artistas já levavam a sério a lei de Lavoisier, segundo a qual, na natureza, nada se cria e nada se perde: tudo se transforma. Desde o início da carreira, eles se propuseram a missão de resgatar das caçambas e dos latões produtos que demorariam décadas ou séculos para se decompor, criando com eles objetos de desejo.
De forma original e generosa, Bia Hajnal, Nido Campolongo e as irmãs Sara Rosenberg e Anete Ring utilizam a arte para mostrar as possibilidades dos recicláveis. Copos descartáveis viram luminárias, gigantescas caixas de papelão dão origem a mesas e cadeiras firmes e confortáveis e resíduos de alumínio industrial transformam-se em charmosos candelabros.
Obter resultados requintados depende de muita pesquisa, dedicação e, principalmente, criatividade. O desafio do design sustentável sempre foi tornar atraente um produto novo que pode causar estranheza. "Um banco de papelão não afunda se eu sentar?", por exemplo, era pergunta recorrente entre os clientes de Nido Campolongo. Aos poucos, porém, surge aconsciência da importância de consumir produtos ambientalmente corretos para gerar um planeta saudável.
Se antes essas peças eram vistas como alternativas de baixo custo, hoje são valorizadas, associam-se ao que há de mais moderno e não raro conquistam espaço no mercado externo. Além do design, existe uma preocupação em melhorar a utilização desses objetos. O Brasil desponta como um dos países que mais reciclam no mundo, mas falta muito para ter a alta tecnologia a serviço da reciclagem.
Por isso, com raras exceções, ainda não é possível produzir peças desse tipo em larga escala. Mas quem sabe? Talvez, em breve, nossa casa venha a ser inteiramente decorada com o luxo do lixo.
NIDO CAMPOLONGO - O ARTISTA DO PAPELÃO
Ele ainda era menino quando começou a trabalhar na tipografia do pai e conheceu as inúmeras possibilidades do papel. Isso levaria o paulistano Nido Campolongo, 52 anos, a tornar-se um dos mais respeitados designers que utilizam o papelão como matéria-prima. Aos
22 anos, ainda trabalhando com o pai, Nido entrou para a faculdade de engenharia. No meio do curso, fez aulas de desenho e de gravura em metal. "Com esses estudos ea experiência na tipografia, resolvi criar peças para empresas", conta.
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Nido Campolongo, em sua poltrona de papelão
Entre os projetos estavam agendas, pastas e embalagens, produtos sofisticados que fariam a fama da empresa que Nido tem até hoje, a Galeria do Papel. A primeira sacola da grife Forum, por exemplo, foi criada por ele. "Eu me inspirava no conceito gráfico oriental", afirma. Com as sobras das próprias criações, em 1994 o artista plástico passou a costurar e a produzir mantas de papel. Para exibilas, passou a construir suportes, que mais tarde se transformariam em móveis belos e modernos.
Como o papelão vem da celulose, extraída da madeira, é possível produzir com ele peças firmes e duráveis. Nido, então, aprimorou sua técnica de marcenaria e criou prateleiras, cadeiras e mesas. Não parou por aí. Com resíduos da indústria e argila, inventou em seu ateliê em São Paulo "tijolos" de papelão para a construção de uma oca, exposta em 2001 no Sesc de Santo André.
O desejo de Nido agora é construir uma casa ecológica totalmente habitável. Montará ainda uma gigantesca espiral no Conjunto Nacional, na avenida Paulista, em São Paulo, com inauguração prevista para este mês. A instalação permanente terá como objetivo explicar as práticas relacionadas ao lixo na capital paulista.
Apesar do sucesso, ele lembra que o começo da carreira foi bem difícil. "Muitas vezes pensei em desistir", conta. Se hoje é chamado para decorar lugares elegantes, como restaurantes no Rio de Janeiro, lojas de design em Paris e Nova York e até mesmo cenários de teatro, é por que acreditou ser possível trazer o belo para o material reciclado.
SARA ROSENBERG E ANETE RING - AS IRMÃS-PRODÍGIO
Aos 7 anos, por insistência da família, a tímida Sara resolveu encarar um concurso de estátuas na areia, na praia do Guarujá (SP). Não ganhou - ficou em sétimo lugar -, mas o evento acabou por traçar sua vida artística: os pais a matricularam num curso de artes e Sara começou a levar a sério o ofício de esculpir.
Fez faculdade de artes e mestrado em Zurique. Sua irmã, Anete, também tinha vocação artística: cursou a Escola Panamericana de Arte, em São Paulo, e foi aluna do professor Walter Levy, um mestre da pintura. Ainda na juventude, Anete partiu para Israel, onde graduou-se em arquitetura no Technion Institute of Technology com um trabalho sobre projetos sustentáveis. Mas foi apenas em 1995 que as irmãs paulistanas resolveram unir os talentos e criaram a Rosenberg Design. "Essa preocupação ambiental e o lado artístico sempre permearam a nossa vida e até hoje balizam nosso trabalho", afirma Anete.
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Anete e sara exibem os candelabros e a fruteira de alumínio
No início, elas escolheram o alumínio reciclado para moldar objetos. Afinal, o Brasil é um dos países que mais recicla esse material. "O alumínio permite grande liberdade artística de modelagem", diz Sara. A dupla ainda foi pioneira no uso de madeira certificada, retirada de áreas onde a extração é controlada. "Quando você cria, tem que pensar em todo o ciclo do material", diz Sara. Em 2000, expuseram em Milão, na Itália, e com isso entraram para o anuário inglês International Year Book, uma bíblia do design. Nos últimos quatro anos, as irmãs foram convidadas por diversas indústrias para desenvolver peças em larga escala com o reaproveitamento de materiais, entre eles o vidro, e colheram prêmios, como o Houseware Gift & Design, da feira Gift Fair.
Mas não param de sonhar - e não apenas com novos materiais: Sara ainda pretende montar um projeto para valorizar o trabalho dos catadores de lixo. No Brasil, só a coleta de latas de alumínio gera trabalho para 160 mil pessoas. "Não temos uma boa imagem do carteiro? Por que, então, não podemos ter também do catador?", indaga a artista.
BIA HAJNAL - RESTOS VALEM OURO
Foi paixão à primeira vista. Pelo namorado que se tornou marido e pela caçamba da caminhonete dele, onde o moço carregava um monte de tranqueiras. A arquiteta e designer paulistana Bia Hajnal, 27 anos, era estudante de desenho industrial quando conheceu Sérgio Cabral, três anos mais velho.
Juntos, começaram a recolher caixas de papelão de computadores jogados fora. A faculdade que cursavam - Faap, em São Paulo - tem uma oficina de marcenaria, onde os dois passaram a cortar essas caixas. Daí surgiu o primeiro móvel, uma cadeira azul que até hoje é xodó da dupla.
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Bia com a luminária e a fruteira de poliestireno
As andanças pela capital paulista eram comuns e, certa vez, Bia encontrou uma escada de piscina que acabou se transformando em uma espreguiçadeira. Nessa época, as peças eram fabricadas na casa dela ou do então namorado. A produção cresceu e, em 2002, o casal e um amigo, o arquiteto Thiago Rodrigues, resolveram montar o SuperLimão Studio. Vieram, então, banquetas, cadeiras e outros móveis estilizados, sempre com materiais desprezados.
Bia também começou a pesquisar o plástico poliestireno, usado em bandejas de geladeira, e o plástico ABS, utilizado nos pára-choques de carros. Com o poliestireno montou duas poltronas e luminárias chiquérrimas, que brilham em salões aqui e no exterior. "O Brasil tem matérias-primas muito ricas", afirma.
A inspiração de Bia vem de várias fontes. Em 2005, organizando a própria festa de aniversário, percebeu que faltava um lustre bonito na sala de casa. Não deu outra: colou dezenas de copinhos de plástico e, assim, surgiu a Copoleos, luminária que, um ano depois da festa, foi exposta na Bienal Internacional de Design de Saint Étienne, na França.
Ao chegar a São Paulo, desembarcou para mais uma temporada exibindo seus trabalhos no Instituto Tomie Ohtake. "Antes nosso trabalho era visto como algo alternativo. Hoje existe uma visão de conceito, design e tecnologia", garante Bia. Ela acredita que as pessoas estão mais abertas para investir em produtos que tragam benefícios ao meio ambiente".
http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/lixo/conteudo_246329.shtml
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