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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Os Sete Últimos Dias da Criação

Os Sete Últimos Dias da Criação
(ou Inversão do Relato da Criação)


Jörg Zink

(Tradução Livre)

No princípio Deus criou o céu e a terra.
Depois de muitos milhões de anos, o homem criou coragem e resolveu assumir o comando do mundo e do futuro.
Então começaram os sete últimos dias da história.
Na manhã do primeiro dia, o homem resolveu ser livre e belo, bom e feliz.
Resolveu não ser mais a imagem de um Deus, mas ser simplesmente homem.
E, como devia acreditar em alguma coisa, acreditou em liberdade e felicidade, em bolsa de valores e em progresso, em planejamento e desenvolvimento e, especialmente, em segurança.
Sim, a segurança era a base.
Disparou satélites perscrutadores e preparou foguetes carregados de bombas atômicas.
E foi a tarde e a manhã do primeiro dia.
No segundo dia dos últimos tempos, morreram os peixes dos rios poluídos pelos dejetos industriais; morreram os peixes do mar pelo vazamento dos grandes petroleiros e pelo depósito do fundo dos oceanos: os depósitos eram radiativos. Morreram os pássaros do céu impregnados de gases  venenosos — inversão térmica — morreram os animais que atravessavam incautos as grandes auto-estradas, envenenados pelas descargas plúmbeas do trânsito infernal.
Mas morreram também os cachorrinhos de estimação, pelo excesso de tinta que avermelhava as lingüiças.
E foi a tarde e a manhã do segundo dia.
No terceiro dia, secaram o capim nos cerrados, a folhagem nas árvores, o musgo nos rochedos e as flores nos jardins.
Porque o homem resolveu controlar as estações segundo um plano bem exato.
Só que houve um pequeno erro no computador da chuva, e até que descobrissem o defeito, secaram-se os mananciais, e os barcos que singravam os rios festivos encalharam nos leitos ressequidos.
E foi a tarde e a manhã do terceiro dia.
No quarto dia, morreram 4 dos 5 bilhões de homens: uns contaminados por vírus cultivados em provetas eruditas, outros por esquecimento imperdoável de fechar os depósitos bacteriológicos, preparados para a guerra seguinte; outros ainda morreram de fome porque alguém não se lembrava mais onde escondera as chaves dos depósitos de cereais.
E amaldiçoaram a Deus: se Ele era bom, por que permitia tantos males?
E foi a tarde e a manhã do quarto dia.
No quinto dia, os últimos homens resolveram acionar o botão vermelho, porque se sentiam ameaçados.
O fogo envolveu o planeta, as montanhas fumegaram, os mares evaporaram.
Nas cidades, os esqueletos de concreto armado ficaram negros, lançando fumaça das órbitas abertas.
E os anjos do céu assistiram espantados como o planeta azul tomou a cor do fogo, depois cobriu-se  de um marrom sujo e finalmente ficou cor de cinza.
Eles interromperam os seus cantos durante dez minutos.
E foi a tarde e a manhã do quinto dia.
No sexto dia apagou-se a luz: poeira e cinza encobriram o sol, a luz e as estrelas.
E a última barata que tinha escapado num abrigo anti-atômico morreu pelo excesso de calor.
E foi a  tarde e a  manhã do sexto dia.
No sétimo dia, havia sossego, até que enfim!
A terra estava informe e vazia, as trevas cobriam o abismo e o espírito do homem, o fantasma do homem, pairava sobre o caos.
Mas, no fundo do inferno, comentava-se a história fascinante do homem que assumira os comandos do mundo, e gargalhadas estrondosas ecoaram até os coros dos anjos.

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